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27 de ago. de 2012

"ESTAMOS MEDICANDO OS IDOSOS DE MANEIRA ERRADA"



"ESTAMOS MEDICANDO OS IDOSOS DE MANEIRA ERRADA"


Figura controversa nos Estados Unidos, Armon Neel Jr. faz um alerta, no livro 'Are your prescriptions killing you?', para os perigos da supermedicação em idosos

Há um risco adicional no coquetel de remédios que os idosos, muitas vezes, precisam tomar. Geralmente em número elevado, as drogas podem interagir de maneira perigosa entre si e provocar resultados inesperados e nocivos. Uma pessoa que ingere 10 remédios diferentes tem 44 interações medicamentosas (quando os remédios, combinados, anulam a ação um do outro ou produzem efeitos colaterais inesperados), que precisam ser analisadas. No caso de 15 remédios, essas interações sobem para 104, diz o farmacêutico americano Armon Neel Jr., ele próprio um senhor de 74 anos. Neel é autor do livro Are your prescriptions killing you? (Suas prescrições estão te matando?), sem lançamento previsto no Brasil.

Com 40 anos de carreira, Neel é um ferrenho crítico da maneira como a medicina vem tratando pessoas acima dos 50 anos. Segundo ele, a maioria dos médicos prescreve drogas que causam mais prejuízos do que benefícios aos idosos. E isso aconteceria por dois motivos. O primeiro é a formação médica. "Eles não têm aulas aprofundadas sobre a química dos medicamentos e como eles interagem com o organismo", diz. A segunda é fruto de uma falha científica: existem poucos testes clínicos em voluntários acima dos 60 anos. Assim, a medicina precisa lidar com uma literatura falha sobre a ação dos medicamentos nessa faixa etária.

Neel não defende terapias alternativas ou que os idosos abandonem tratamentos com medicamentos. Em entrevista ao site de VEJA, ele reconhece a importância dos medicamentos, mas diz que remédios consagrados, como a estatina, podem ser letais a idosos. E defende a tese de que o farmacêutico deveria ser o profissional responsável pela medicação. "A maioria dos idosos está, infelizmente, tomando remédios que não deveria."


Estamos medicando os idosos de maneira errada?

A formulação química das drogas está muito mais sofisticada do que há algumas décadas. Isso, mesclado ao fato de que os médicos não compreendem claramente as mudanças químicas que acontecem no organismo das pessoas acima dos 50 anos, pode ser muito perigoso. Depois dos 30 anos, perdemos anualmente 1% das funções renais e do fígado. Aos 80 anos, um idoso tem 50% das funções desses dois órgãos. Os médicos não conseguem entender, por exemplo, que um remédio conhecido, famoso ou eficaz, que era benéfico à saúde daquele paciente aos 30 ou 40 anos, pode se tornar um perigo aos 60 anos. E isso acontece porque o corpo dele não metaboliza mais a droga da mesma maneira.

Por que alguns medicamentos se tornam perigosos para os idosos?

Vamos pegar como exemplo o ansiolítico benzodiazepina. Esse medicamento começa a ser usado por volta dos 25 anos de idade, para dormir. Imagine, agora, o mesmo paciente aos 70 anos. As enzimas do fígado de uma pessoa de 25 anos metabolizam a droga de uma maneira específica. Aos 70 anos, porém, essas enzimas já não estão presentes na mesma quantidade. A droga não vai ser metabolizada corretamente, e acaba se depositando em demasia no organismo. E aí começam os efeitos colaterais. O paciente cochila enquanto está dirigindo ou sente tontura, cai e quebra um braço. A benzodiazepina funciona bem em pessoas jovens, mas não em idosos.

Provavelmente, as estatinas e os osteófitos, drogas usadas para fortalecimento ósseo. Em muitos casos, esses dois medicamentos podem ser letais para o idoso.Um dos efeitos adversos da estatina está relacionado com os músculos. A fraqueza e as dores musculares podem ser um dos sintomas da rabdomiólise induzida pela estatina. Essa condição se caracteriza pela perda do esqueleto muscular, o que leva as fibras a serem liberadas pela corrente sanguínea. Essas fibras são danosas aos rins. Quanto maior a dosagem de estatina, maiores os riscos de rabdomiólise.

Existe uma quantidade de remédios que um idoso pode tomar de maneira segura?

Apenas uma droga já pode ser inapropriada. E o número de riscos em potencial aumenta exponencialmente cada vez que você adiciona um novo medicamento. Vejo pacientes que estão tomando três drogas e uma delas é a causa da necessidade das outras duas. Então, quando você retira essa primeira medicação, acaba a necessidade das demais. Costumo dizer que, se você está tomando mais do que cinco remédios, o sexto está sendo usado para tratar algo causado pelo outros cinco. Mas isso não é necessariamente uma regra.

Há alguma relação entre medicação errada e o aumento nas quedas?

Sim. Veja o caso de homens idosos com problemas na próstata, como hiperplasia da próstata. Um dos remédios usados é o chamado bloqueador alfa, uma droga para pressão sanguínea. Essa droga funciona dilatando as veias da próstata, o que melhora a urinação. Só que ela não age apenas na próstata, mas em todo o corpo. Então agora você tem veias grandes que o sangue precisa atravessar em todo o organismo. Isso pode levar à queda de pressão. Se o paciente faz movimentos abruptos, o sangue sai do cérebro e ele tem blackouts, fica zonzo. Esses episódios de hipotensão podem deixar o idoso com tonturas, e aumentar a incidência das quedas.


Os erros nas prescrições são fruto de má formação ou de falta de conhecimento generalizado?

Não há muito treinamento em terapia com medicamentos na faculdade. Não se ensina a química dessas drogas e de que maneira ela se relaciona com a química do paciente. Os estudantes de medicina ficam mais tempo estudando doenças, diagnósticos e tratamentos. Muito do que eles aprendem sobre a droga em si é ensinado pelos representantes das indústrias farmacêuticas, que, normalmente, não são da área da saúde. O que eles apresentam ao médico é a versão boa do medicamento, nada de ruim sobre a droga vai sair deles. E também há pouca pesquisa feita com pessoas acima dos 65 anos, então não existe muito material de base. Por isso, conhecer a química de cada medicamento e como ele reage no organismo é tão importante.


O médico, então, não seria a pessoa mais indicada para medicar um paciente?
Acredito que mais de uma pessoa pode fazer isso. A tecnologia mudou tanto nos últimos 40 anos, que é a hora dos médicos redistribuírem algumas funções. O farmacêutico deveria ser o responsável pelo gerenciamento da terapia com medicamentos. O médico faz o que ele é treinado para fazer: diagnostica e delimita o plano de tratamento. Mas o farmacêutico, pessoa mais treinada para essa função específica, deveria ficar a cargo dos medicamentos.


Como um paciente idoso pode saber se há algo errado com suas prescrições?

Vamos dizer que ele vá ao médico porque tem algum problema, e o médico prescreva uma droga. Essa droga acaba não resolvendo o problema. O médico pode aumentar a dose ou acrescentar um novo remédio. Se isso acontecer, o melhor seria remover o primeiro medicamento — e não apenas acrescentar outros. Agora, se você está indo ao médico e está tomando duas ou três medicações, e aí uma nova droga causa sensações que não são naturais a você, volte ao médico ou ao farmacêutico e diga que esses novos sintomas estão sendo causados pela nova medicação.


Perfil

Em 2012, Armon Neel Jr. foi premiado pela Sociedade Americana de Farmacêuticos Consultores por seu trabalho revendo prescrições e aconselhando pacientes sobre suas medicações. Estima-se que as recomendações feitas por Neel levem à economia de 2,5 milhões de dólares por ano nos Estados Unidos – além de salvar milhares de vidas. Cinco anos antes, o farmacêutico havia sido uma das primeiras pessoas a receber o prêmio Farmacêutico Geriátrico Certificado, da Comissão de Certificação em Farmácia Geriátrica.
Entre 1966 e 1977, Neel foi convocado pelo Conselho de Farmácia seis vezes por ter aconselhado pacientes sobre como tomar corretamente a medicação prescrita – só em 1990 as leis do estado da Geórgia passaram a permitir que farmacêuticos dessem tais tipos de orientações.
Desde 2000, Neel atende como conselheiro dando seu parecer sobre o plano de terapia medicamentoso em casas de repouso para idosos na Geórgia. Nos últimos quatros anos, ele tem se dedicado a desenvolver políticas, protocolos e mecanismos de avaliação que atendem às necessidades dos pacientes.


Fonte: Revista Exame.com

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