Priscila Fonseca descobriu o primeiro sintoma
aos 26 anos e fundou a ABAHE (Foto: Divulgação) O corpo humano é considerado por muitos cientistas uma máquina perfeita. Os estudos do alemão Norbert Wiener, de certa forma, comprovaram a analogia quando ele demonstrou que, assim como as máquinas, o funcionamento do sistema nervoso central dos homens depende da troca circular de informações: do cérebro para os músculos, depois para os órgãos, os sentidos, etc. Se por acaso houver uma falha de comunicação interna, surgem os problemas.
Um deles é quando o comando do cérebro não é "ouvido" pelo resto do corpo. Esta falha é causada pela ataxia: a incapacidade de coordenação motora. A pessoa portadora desta doença, seja de que tipo for, tem andar cambaleante, perda de equilíbrio, falta de coordenação motora, dificuldade na fala e na deglutição.
“O que ocorre na ataxia é que o cérebro manda a ordem corretamente, mas o grande intermediador, o cerebelo, não funciona corretamente e isso causa a falta de coordenação dos movimentos musculares voluntários”, explica Priscila Fonseca, Presidente da Associação Brasileira de Ataxias Hereditárias e Adquiridas (ABAHE).
É importante entender que a ataxia é um sintoma, não uma doença específica. E, por ser um sintoma amplo, pode ser identificado em várias doenças, sejam hereditárias ou adquiridas. As ataxias hereditárias se dividem em duas categorias: as recessivas e as dominantes. As dominantes atacam basicamente o sistema neurológico e se manifestam na fase adulta, enquanto as recessivas são identificadas geralmente durante a infância e se manifestam em problemas cardíacos, hormonais ou visuais. Segundo a ABAHE, hoje cerca de 30% das ataxias permanecem sem diagnóstico definitivo.
Portador de ataxia, Eduardo Farias convive com o
preconceito causado pela confusão de sintomas
(Foto: Divulgação) Não há cura para nenhuma destas manifestações dominantes, mas há soluções para minimizar ou retrasar os efeitos. “Para não atrofiar mais ainda os músculos há terapias como fisioterapia, fonoaudiologia, equoterapia (terapia com cavalos) e tratamentos naturais como a acupuntura”, exemplifica Eduardo Farias, que, assim como Priscila Fonseca, é portador da ataxia mais comum no Brasil: a Doença de Machado Joseph. “Essas terapias melhoram a qualidade de vida e tornam os portadores independentes por mais tempo”, diz.
A Doença de Machado Joseph é uma ataxia hereditária dominante e degenerativa, identificada há apenas 18 anos, transmitida em 50% dos casos dos portadores, e que conduz o paciente por uma crescente incapacidade motora, sem alterar o intelecto, culminando com sua morte. Os sintomas de Priscila Fonseca apareceram em 2002, quando ela tinha apenas 26 anos. "Quando descobri que tinha a doença, fiquei desesperada. Todos os sonhos de formar uma familia ruíram em minha cabeça. Só não fiquei pior porque, não achando uma associação que me apoiasse, comecei a idealizar a ABAHE e movi todos meus esforços para montá-la", relembra. "Queria que outros portadores tivessem o acolhimento e as orientações que eu não tive. Tirei todo o foco do meu problema e focalizei nas pessoas com ataxia e aí meu problema se tornou menor", diz.
Assim que foi diagnosticada, ela voltou a morar com os pais, no interior de São Paulo. "Eu nunca tinha ouvido falar de ataxia. Agora vivo com limitações, fazendo o máximo para amenizá-las, usando toda a tecnologia disponível para tornar cada limitação menos sensível", conta.
A ABAHE tem um banco de dados com 487 nomes de pacientes com ataxias, mas Priscila gostaria de encorajar as pessoas que se cadastrarem no site para ter dados ainda mais precisos.
E não é apenas a genética que determina a ocorrência de uma ataxia. Abuso de álcool, drogas ou disfunções neuroimonológicas, como a esclerose múltipla são as ataxias adquiridas e podem provocar esta pane na máquina humana. No entanto, a simplificação ou confusão de sintomas atrapalha e contribui para preconceitos. “Os erros mais comuns são confundir um atáxico com um bêbado ou drogado, pela marcha cambaleante, pela fala enrolada”, lamenta Eduardo Farias. “Outro erro é achar que a doença afeta o cognitivo e começar a tratar a pessoa feito criança. O cognitivo fica intacto”, relembra ele.
A característica genética de cada um faz com que os tratamentos sejam praticamente individualizados. Para garantir a qualidade de vida, sempre se trabalha a funcionalidade e continuidade do movimento, de preferência com uma equipe multidisciplinar liderada pelo neurologista, que, no fim das contas, é quem dita a linha do tratamento.